A Desmotivada
No Reino de Bué Bué Longe
To whom it may concern
Assunto: Carta de Desmotivação em resposta ao anúncio xyz
Venho por este meio informar vossa excelência que não me vou candidatar ao posto em concurso nesta vossa instituição.
Terminei a licenciatura em A.P.C.T. com uma média mediana, passo a redundância...naquele número k se encontra nos ¾.....nem é 20 nem é 10...é positiva...mas lá no meio. Reflexo daquilo que se pode descrever como “uma boa experiência estudantil em meio académico” apesar de contrabalançar com o “constante posse do estatuto-trabalhador estudante a full-time, já que as bolsas de estudo a 100% servem filhos e não enteados”.
Continuei os meus estudos académicos tendo terminado o mestrado em métodos biomoleculares, mas desta vez já subindo dois degraus na média; porque sigo sempre aquilo que me dizem, e a mim disseram-me “prá frente é que é caminho”, e como a escada rolante estava avariada, apenas subi dois degrauzinhos. Também a escada não é longa, faltava-me mais 3 degrauzecos para chegar ao topo. Positivo portanto.
Segui também as passadas dos nossos antepassados marinheiros e decidi-me lançar “overseas” tendo desaguado no porto de Bristol, cidade irmã da minha. Aqui comecei a “vergar a mulher do burro” já há praticamente 1 ano e meio. Por isso agora que penso que a “mula” já está a bater com a dentadura no chão, pensei por bem regressar pelo mesmo caminho de onde vim.
No meio da caminhada o que poderei salientar? Pós graduações? Sim. Comunicações orais em língua inglesa? Sim. Prémios de posters? Sim. Participação em congressos internacionais com certificado de mérito? Sim. Publicação de artigo científico? Em progresso.
Trabalho em Portugal? NÃO.
Não queria que me entendesse mal...Isso não é um louvor à minha falta de humildade. Até porque a tenho e em quantidades superiores ao q.b. Mas acho que chega de sorrisinhos amarelos quando continuo a ser constantemente pontapeada pelo meu próprio país.
Queria voltar? QUERO.
Posso? NÃO.
E porquê? Porque não tenho pais ricos, nem tenho conta no BES. Porque não tenho um tio na direcção desse laboratório importante, ou porque a minha prima não tem de Azevedo no nome, ou porque a minha mãe não tem Dra. a iniciar o nome no B.I.
Só me resta uma pergunta: porque insistem em pedir carta de motivação e c.v. detalhado para candidatura? Não seria mais útil uma árvore geneológica?
Fico a aguardar uma mudança de mentalidades e que em Portugal o processo de contratar pessoas pelas suas reais qualidades e não por factores que em nada vão ajudar o desenvolvimento do país ou especificamente da instituição empregadora, passe a ser generalizado e não um movimento estranho e raro característico de meia dúzia de gatos pingados.
Sem mais de momento me despeço com cordiais cumprimentos,
A desmotivada.